Sentimentos Cotidianos

Vem Dormir Comigo

Depois que você vai morar sozinha, aprende a arrumar a cama, o guarda-roupa, a casa, e o controle remoto passa a ser somente seu. Dá um jeito de lavar as roupas, as fronhas, e os pratos. Mesmo que não goste muito, tem que limpar o chão, a poeira da estante, e que debaixo do tapete não tem como esconder mais nada. Então, começa honestamente a varrer a casa, passar pano no chão, tudo fica do seu jeito, no seu lugar. Nem sempre aprende a cozinhar, mas se vira com o que tem na dispensa. E, sabe quanto custa o quilo do tomate na feira e o arroz no mercado.

Depois que você dirigi sozinha, aprende onde fica o macaco do seu carro, a trocar pneu, óleo, mas que nunca conserta aquele barulho chato da mala que te incomoda. Que o trânsito se torna cada dia mais chato, mesmo com o som alto do carro. E tem a certeza quem será a motorista da vez.

Depois que você almoça sozinha, percebe que o macarrão já não é tão maneiro. Que a carne é macia, mas não tem o mesmo sabor. E que comida doutro dia esquecida do lado de fora da geladeira estraga, o que também faz a barriga doer.

Depois que você vai ao cinema sozinha, percebe que é mais fácil encontrar uma única cadeira vazia. Que pode comer pipoca toda enrolada num casaco velho, colocar os pés na cadeira da frente, e chorar que nem boba no final do filme. E que quando as letras começarem a subir, vai perceber que você só tem você mesma para comentar o que achou do filme, mas não comenta, já que compartilha da mesma opinião.

Depois que você volta pra casa sozinha, olha pra cama que está cada dia mais enorme. Perdi o apetite, quase nem janta, faz um lanchinho. Depois que você bebe sozinha, percebe que não sabe abrir uma garrafa de vinho. Que a primeira rolha, inevitavelmente você despedaça ou deixa entrar na garrafa junto com o vinho. Que uma garrafa é muito, e que eu já estou beeee… beeee… beeeebinha.

Depois que você fica sozinha com você mesmo, percebe os motivos que te fazem ser tão importante na vida de outro alguém, mesmo errando muitas vezes.

Quando eu comecei a escrever, estava sozinha. Ele chegou antes do vinho e parece que foi tomar banho, trocar de roupa, ou talvez criar coragem pra dizer “vem dormir comigo”, não tenho certeza. Só sei que, quando fui dormir com ele, fiquei pensando por que às vezes a gente precisa ficar sozinha para ter a certeza de que juntos podemos aprender bem mais.

* Pra ficar ainda melhor escute a canção “Mais Ninguém”.